Dos muitos impactos causados na nossa sociedade em razão da pandemia da Covid-19, talvez um dos poucos positivos que teremos como legado é uma profunda reestruturação do modelo de trabalho existente no mundo corporativo. Se antes quase a totalidade das empresas adotava o trabalho presencial, após um longo período de adaptação ao modelo exclusivamente remoto e da queda de alguns mitos – como o da redução da produtividade no home office —, os empregadores estão agora reestruturando suas operações.
Com o avanço da vacinação contra o coronavírus no Brasil e o retorno gradativo às atividades presenciais, a adoção do regime híbrido (ou misto) de trabalho — no qual os empregados revezam entre a prestação de serviços de forma presencial nas dependências da empresa e o formato remoto — já é uma realidade na maioria das corporações brasileiras e um anseio dos empregados, que ganharam maior qualidade de vida.
Se não há dúvidas de que esse novo regime de trabalho veio para ficar, não é menos certo, contudo, que o chamado modelo flex office esteja livre de desafios para a sua implementação pelos empregadores, especialmente quando analisamos a parca legislação existente sobre o assunto e a costumeira postura refratária e conservadora do Poder Judiciário Trabalhista brasileiro às inovações tecnológicas e avanços da sociedade. Embora a maioria dos juízes tenha demonstrado maior simpatia pelo trabalho a distância após a pandemia, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que seja possível garantir alguma segurança jurídica às empresas sobre as regras aplicáveis.
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Entre os principais desafios enfrentados encontra-se a questão relativa ao controle de jornada no período em que a prestação se dá de forma remota, seja na residência do empregado ou em qualquer outro lugar de sua preferência. Isso porque a legislação brasileira atual prevê a obrigatoriedade de controle de jornada pelo empregador que possua mais de 20 empregados (artigo 74 da Consolidação das Leis do Trabalho, ou CLT), com exceção daqueles que trabalhem em jornada externa, exerçam cargo de confiança ou atuem em teletrabalho (artigo 62 da CLT).
Nesse sentido, o trabalho em regime híbrido se distingue do teletrabalho, tal como previsto na lei, uma vez que neste último a prestação dos serviços deve ocorrer de forma “preponderantemente fora das dependências do empregador”, o que não necessariamente acontecerá no formato híbrido. Por outro lado, não obstante a jurisprudência sobre o assunto ainda seja escassa, já que tal modelo vem sendo adotado com maior frequência apenas no período pós-pandemia, muitos juristas e doutrinadores vêm se posicionando a respeito da necessidade de controle de jornada durante o período remoto.
Os argumentos usados vão desde a defesa da não aplicação do artigo 62 da CLT para esse formato, que caberia apenas no teletrabalho puro, passando pela possibilidade de efetivo controle da jornada pelo empregador durante o período remoto, através da utilização de meios telemáticos e informatizados de controle e comunicação, considerando que o empregado fará uso de notebook e, muito possivelmente, de smartphones para a prestação do serviço à distância.
Assim, ao menos enquanto não houver legislação específica sobre a matéria e/ou jurisprudência consolidada a respeito em sentido contrário, a prudência exige que as empresas continuem controlando a jornada de seus empregados no regime híbrido de trabalho, mesmo durante a prestação de serviços de forma remota.
A nosso ver, contudo, uma possível alternativa para as empresas que queiram sair na vanguarda, mas com alguma segurança jurídica, seria a inclusão de uma cláusula na norma coletiva negociada com o sindicato representante da categoria, prevendo a ausência de controle de jornada dos empregados em regime híbrido nos dias de trabalho remoto, tendo em vista a atual previsão do artigo 611-A da CLT, que impõe a prevalência do negociado sobre o legislado.
Por fim, um último ponto que requer a atenção das empresas sobre o tema é o cuidado com como será realizado o controle no trabalho remoto, devendo ser observadas as modalidades expressamente autorizadas pela legislação — registro manual, mecânico ou eletrônico (este último conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério do Trabalho). Caso as empresas queiram se valer de modalidade diversa de controle de jornada, como o uso de aplicativos, também é recomendado que se busque prévia formalização junto ao sindicato dos empregados, por meio de negociação coletiva, na forma prevista no artigo 611-A da CLT.
Fonte: Consultor Jurídico
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